Considerada, por muitos, como um instrumento fundamental de combate à corrupção e ao crime económico, a proteção de denunciantes, ou o Whistleblowing, passou desde 20 de dezembro a ter lei nacional que transpôs o Direito da União Europeia.
Texto originalmente publicado no
Jornal de Negócios a 28 de Dezembro de 2021
A Lei n.º 93/2021 que deve ser conjugada com o Decreto-Lei n.º 190-E/2021, de 9 de dezembro (que cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o regime geral de prevenção da corrupção), não deve prejudicar regimes de proteção de denunciantes previstos nos atos setoriais específicos da União Europeia, devendo sempre aplicar-se o que se mostrar mais favorável ao denunciante.
Os dois diplomas nacionais, também aplicáveis às sucursais em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro que empreguem 50 ou mais trabalhadores, estatuem a necessidade de as entidades abrangidas disporem de canais de denúncia interna. O Decreto-Lei n.º 190-E/2021, prevê que estas entidades adotem e implementem um programa de cumprimento normativo que inclua, entre outras coisas, um programa de formação, um canal de denúncias e a designação de um responsável pelo cumprimento normativo (Compliance Officer), a fim de prevenir, detetar e sancionar atos de corrupção e infrações conexas, remetendo para a recente Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro a aplicação das normas relativas ao tratamento das denúncias.
Por denunciante a lei considera quem denuncie ou divulgue publicamente uma infração, através de informação obtida no âmbito da sua atividade profissional.
Podem ser, também, denunciantes stakeholders e voluntários ou estagiários, remunerados ou não, que tenham desenvolvido atividade numa organização pública ou privada. Assim, não está coberto, nem por este conceito nem por esta lei, quem investigue externamente a atividade de uma organização e denuncie ilícitos com ela relacionados. A Lei n.º 93/2021 vai consideravelmente além da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, abrangendo, por exemplo, atos ilícitos relacionados com a contratação pública; com a proteção do ambiente; com a segurança alimentar; com a saúde pública ou com a proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação. Por exemplo, nesta última situação, o denunciante pode divulgar situações de fragilidade dos sistemas de cibersegurança ou da introdução de malware no interior da entidade da Administração Pública ou na empresa.
As denúncias podem ser feitas através de canais de denúncia interna (em cada organização abrangida), de canais de denúncia externa ou divulgação pública, respeitando-se um regime de precedência entre estes meios de denúncia.
Não se encontra previsto nenhum regime de caducidade ou prescrição para a denúncia, apesar de se estabelecer um prazo para a sua conservação, mais concretamente, pelo menos por um período de cinco anos se não ocorrer a pendência de processos judiciais ou administrativos referentes à denúncia, caso em que se alarga este período.
Um dos aspetos essenciais da Lei n.º 93/2021 centra-se nas garantias de não retaliação, bem como de confidencialidade da identidade ou anonimato. Assim, o denunciante não pode, nos termos da lei, ser prejudicado no exercício da sua atividade profissional por uma medida que o afete, direta ou indiretamente, por qualquer denúncia ou divulgação pública que tenha feito.
Os denunciantes têm direito a proteção jurídica, podendo beneficiar de medidas de proteção de testemunhas em processo penal.
Os denunciantes que cumpram as exigências da lei não podem ser responsabilizados disciplinar, civil, contraordenacional ou criminalmente. Uma das exceções em que a lei determina a responsabilidade dos denunciantes verifica-se quando este obtenha informações com recurso à prática de crimes.
A Lei n.º 93/2021 prevê um largo conjunto de contraordenações, tendo sido as coimas elevadas na Assembleia da República (relativamente à proposta governamental), atingindo o valor máximo de 125 000 €. O processamento das contraordenações e a aplicação das coimas são da competência do Mecanismo Nacional Anticorrupção.
A lei entra em vigor daqui a 6 meses, pelo que podemos afirmar que, a partir de junho de 2022, a vigência da lei vai ter uma influência importante quer em entidades públicas quer em empresas, devendo as organizações preparar-se para os momentos exigentes que se aproximam.
Alexandre Sousa Pinheiro, Professor Universitário e Advogado
Patrick de Pitta Simões, Investigador e Formador nas áreas de Compliance, Safety & Security (Whistleblowing System)